Finason: entre a memória e o esquecimento
Na ilha de Santiago, o finason ainda resiste em algumas rodas de batuku, em encontros culturais e na memória dos mais velhos. Trata-se de uma forma tradicional de poesia oral improvisada, marcada por comentários diretos sobre acontecimentos do quotidiano, questões políticas, relações sociais ou críticas pessoais. Sem instrumentos, apenas com a voz e o ritmo das palmas (ou de panos dobrados no colo), o finason ocupa um lugar discreto, mas significativo, na cultura cabo-verdiana.
Ao contrário de outras expressões populares amplamente promovidas ao longo dos anos, como o batuku e a tabanka, o finason seguiu um caminho mais silencioso. Atualmente, são poucos os praticantes ativos, e a sua prática está em risco. Um dos nomes que tem chamado a atenção para essa realidade é o de Princezito, artista e ativista cultural.
Em várias entrevistas, Princezito define o finason como a poesia popular de Cabo Verde, ou, como ele próprio diz, "konbersu sabi di povu". Para alguns estudiosos, o termo pode ser associado à melopeia — junção de “melodia” e “conversa” — destacando o seu carácter musical e discursivo. Embora esteja intimamente ligado ao batuque, Princezito defende que o finason é ainda mais antigo. Hoje, segundo o artista, essa tradição está “quase extinta”, com apenas “quatro ou cinco” pessoas a mantê-la viva.
A expressão é caracterizada por versos longos e improvisados, normalmente interpretados por uma solista que comenta, em tom direto ou metafórico, temas atuais ou memórias coletivas. Diferente do batuque, que envolve resposta coral e ênfase rítmica, o finason foca mais na composição verbal espontânea, funcionando como uma forma de comunicação oral e crítica social.
Ao longo da história, algumas figuras se destacaram na arte do finason, como Nha Nácia Gomi (Maria Inácia Gomes Correia), considerada a “rainha do finason”. Natural de São Miguel, começou a praticar a arte aos 17 anos e tornou-se uma referência nacional e internacional. Participou em festivais, deixou uma discografia relevante e teve sua obra registrada pelo escritor Tomé Varela da Silva. À sua morte, em 2011, foi declarado luto nacional em reconhecimento ao seu contributo cultural.
Para atrair o interesse das novas gerações, Princezito propôs uma aproximação entre o finason e o rap contemporâneo, criando o conceito de fina-rap. A ideia é simples: unir os versos improvisados da tradição à estética urbana atual, mantendo a essência da expressão, mas adaptando-a aos tempos modernos. Ele também publicou, em 2020, o livro Manual di Mudjer, reunindo versos em estilo de finason com foco na mulher cabo-verdiana, como forma de registar, promover e documentar esta herança oral.
Apesar desses esforços, o finason continua a ser uma expressão marginalizada. Existem poucos registos sistematizados, poucos praticantes ativos e quase nenhuma documentação aprofundada sobre a sua história e evolução. A maior parte do conhecimento é transmitida oralmente e corre o risco de desaparecer caso não haja ações concretas de preservação, tanto por parte da sociedade civil quanto das instituições culturais.
A crónica do finason, por agora, é a de uma tradição que ainda não encontrou o seu lugar no presente. Mas é também o testemunho de uma prática que carrega séculos de memória coletiva, e que, com valorização e investimento cultural, pode voltar a ser ouvida com a atenção que merece.
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