O FUNANÁ

 Durante muito tempo, o funaná foi escondido. Nas montanhas da ilha de Santiago, longe dos olhos coloniais, os camponeses reuniam-se para cantar, dançar e libertar-se através da música. Era um som rápido, marcado pelo fole da gaita e pelo ferro — um ritmo quase frenético que fazia o corpo se mexer sem pedir licença. O funaná, nascido nas zonas rurais, era a voz dos que não tinham voz.

De origem essencialmente popular, o funaná desenvolveu-se a partir da gaita di fole (um tipo de acordeão diatônico introduzido pelos colonizadores) e do ferrinho, um instrumento metálico percutido com uma faca ou vareta. Os camponeses adaptaram o instrumento europeu às suas vivências e criaram um estilo único, com letras cantadas em crioulo, abordando temas como a seca, o sofrimento, o amor e a desigualdade.

Durante o período colonial, o funaná foi proibido ou marginalizado. Tocá-lo era visto como um ato de desafio. Muitos artistas escondiam-se para tocar, e a tradição era passada quase exclusivamente de forma oral. Por isso, durante décadas, o funaná foi limitado às zonas do interior de Santiago, sem reconhecimento oficial.



Só após a independência, em 1975, o funaná começou a conquistar espaço público. Nos anos 80, o grupo Bulimundo, liderado por Carlos Matos, fez uma verdadeira revolução musical ao modernizar o estilo, introduzindo instrumentos elétricos e apresentando o funaná como um símbolo da cultura nacional. A partir daí, o género ganhou visibilidade, cruzou fronteiras e passou a ser presença obrigatória em festas e palcos internacionais.

Hoje, nomes como Zeca di Nha Reinalda, Bitori Nha Bibinha, Ferro Gaita, Bau, Zé Espanhol, entre outros, são associados à preservação e inovação do funaná. Há também uma nova geração de músicos que continua a explorar o género, misturando-o com outros estilos urbanos e eletrónicos, garantindo assim a sua permanência entre os mais jovens.

Apesar de ter ganhado projeção, o funaná mantém a sua essência rural e popular. Continua a ser uma música de resistência e celebração. As letras, muitas vezes simples, carregam profundidade — falam da terra, da migração, da luta diária pela sobrevivência, mas também da alegria de viver.

Hoje, o funaná é mais do que um género musical. É parte da identidade cultural caboverdiana. É dança, é grito, é celebração da liberdade. De proibido a símbolo nacional, o funaná mostra que, quando a cultura nasce do povo, nenhuma proibição consegue calá-la para sempre.

Comentários

Mensagens populares